quinta-feira, 22 de maio de 2008

segunda-feira, 21 de abril de 2008

REUNIÃO DE ALGUNS TEXTOS PRODUZIDOS ENTRE MARÇO-ABRIL

Bruna Nehring 25/04/08

Então é isso: neste sábado encerra-se o primeiro módulo do “Escrevivendo”, versão 2008. Como sempre, sob a batuta da Karen, tropeçamos em gente nova, metade da qual some no meio do curso: encontros, como ela prefere definir. Dos que ficam, há sempre alguém que, de forma especial, surpreende e aguça nossa curiosidade além do que as três horas semanais exigiriam.
Apreendemos a lidar com o low-profile do Paulo, já veterano, caneta profícua, prolífera, e pródiga de imagens instantâneas de efeito e conteúdo; com a figura de Roberto, irradiando pacatamente sua rica experiência de vida; com uma Neuza carregada de memórias, registros e Saramagos, sempre disponível à divulgação e distribuição de nossos trabalhos.
E, de repente aparecem os Nilsons, com ar despretensioso, mas olhos sedentos de palavras, conceitos, significados; o Nilson que já nasceu poeta, e não tem medo nem de descobri-se nem de preparar-se para isto; as Sandras, despindo-se com toda naturalidade de suas já publicadas ansiedades. E os Edus.
Ah, o Edu, que não quer se despir, mas que nos investe com toda a veemência de sua juventude, a força de seus escritos, contundentes e riquíssimos em sua concisa exiguidade. Lê seus trabalhos com voz orquestrada e potente (aqui, a surdez da Bruna agradece) mas os guarda para si, num misto de ciúmes, modéstia e egoísmo. Brinca de esconde-esconde entre o machismo que seu físico reclama, e a sensibilidade e romantismo que o fecundam, mas que ele parece fazer questão de diluir em público. Talvez daqui a uma década ou duas, arrependido, quem sabe, na rua ou num teatro, abordará uma velha senhora desconhecida: “aceita um monólogo que escrevi quando eu era mocinho?” Por favor, não suma: quem sabe um dia conseguiremos que você confie em nós.
Ah! Falei na minha surdez: peço desculpas por ela. Estou fazendo o possível para tentar melhorar meu “equipamento”. Enquanto estas tentativas, e seus preços..., não derem resultado, agradeço de todo coração vossa ajuda. Sem ela não poderia sorver o melhor do curso nem sentir-me privilegiada com a contribuição de vocês.
Ah! o terremoto de Terça-feira, 5.2 na escala Richter, a centenas de quilômetros de São Vicente, a milhares de metros de profundidade no mar.
7 segundos: o tempo de pensar quedeveterumterremotoporaí.
O assento tremeu, a toalha amarela ondulou: estiquei o braço para segurar-me na beira da pia.
É, é isto mesmo que vocês estão pensando. Prosaico? É.
É do prosaico que é feita, diariamente, nossa vida.
Karen, módulos e artes, a parte.




CAMAROTE DE LUXO COM ACOMODAÇÃO PARA DOIS Ensaio memorialístico Roberto Dupré

Para João Wernek

--Você já pensou em se matar?
--Eu não preciso. Estou velho demais para isso.
Beirando os oitenta anos de idade, Wernek era meu companheiro nas madrugadas da Jovem Pan. Lá de cima, do alto da Paulista, ficávamos, os dois, contemplando a cidade estendida como grãos luminosos lá em baixo.

--Você já percebeu que daqui não se vê diferenças entre ricos e pobres, brancos e negros, gordos e magros?Todos sonham sonhos muito iguais. Com certeza, sonhos muito antigos.

A partir daí, passávamos a um longo e interminável discurso sobre velhos sonhos.
“O quê você gostaria de ter feito e não fez?”

Wernek virou luz cedo demais.Deixou duas coleções e uma indignação.Para a filha, CDs italianos de raríssimos barrocos.Para a sociedade, um fusca branco que comprou, de má vontade, com aval obrigatório da filha, porque tinha mais de setenta anos. Levou para as estrelas mais esse sapo.

Finalmente, para mim, deixou um imenso baú de ossos da juventude dos jornalistas paulistas.Com a permissão do amigo, sirvo-me desse banquete todos os dias.É por essa ótica que vejo filmes, leio livros, ouço conversas dentro do ônibus.

É tarde demais, pra mim e pro Wernek: já não discutirmos os conteúdos ideológicos.Não gosto do Bandeiras que realizou o sonho da minha geração: casar-se com Melanie Griffitt. Pior: batia nela.

Meu lado Wernek, esse eterno nostálgico, voltou em espírito para dois ou três lugares da cidade. Alí, na avenida Rio Branco, ficava o Avenida Danças.E, aqui, faço uma pausa. Cheio de delícias como os sundaes da infância.

No Avenida, juntava-se a fome com a vontade comer: rapazes engomados, nos seus ternos riscas-de–giz, das lojas Garbo e mocinhas com cetins baratos e cabeças ocas.Jovens operárias que aumentavam o ganho mensal, deixando-se levar nos braços (e pernas) de bailarinos insipientes.Havia sonho, muito hormônio e um rígido respeito às regras. Eram nesses salões apinhados que a maior parte dos rapazes, quase todos estudantes, sentiam, pela primeira vez, o corpo de uma mulher.
Os sentidos emanavam do coração. Fosse quem fosse a garota era linda como Audrey Hepbourne, roliça como Kim Novak e perfumadas como todas as princesas deveriam ser. No salão, nunca à meia-luz, os rostos se colavam, as têmporas explodiam e as mãos gotejavam de suor.
Quase ao amanhecer e antes do sono profundo nas pensões honestas dos Campos Elísios e de Santa Cecília, os rapazes davam uma passadinha no Salada Paulista da Praça da República ou no Ponto Chic do Largo do Paissandú. E, alí mesmo, nos gardanapos de papel, nasciam quadrinhas piegas para cantar o amor:
Eu vi o rio passando, quando tu fostes banhar/
Chorava o rio de tristeza/
Por não poder te levar.
Dois ou três dias depois, esses guardanapos rabiscados, acabavam entrando pelas Arcadas de São Francisco e se tornaram um imenso cancioneiro, na voz da estudantada.

No Viva Maria, Pedrinho Mattar dedilhava com excesso de floreios as canções que Carmen Cavallaro acabara de gravar.Aquele, na Cesário Motta, era território sagrado da moçada da Santa Casa.Os mais românticos compravam rosas vermelhas, ainda com o sereno da madrugada, na banca de flores do Dodô, no Largo de Arouche.


Por que você pensa em se matar se há tanta vida passando lá fora?
Wernek nunca parecia filosofar. Mas eu via, nos seus olhos cansados que, mesmo nas madrugadas impiedosas e cruéis, ainda é possível cogitar, como Juca Chaves, com quem sonham as Anas Marias.E aí, com o coração cheio de tristeza, chegava a ouvir o som dos alaúdes barrocos. Razão da vida do velho Jornalista.

De mim, fica faltando a história dos bailes de debutante dos clubes Pinheiros, Paulistano e Harmonia. Um mundo de pompa e circunstância que acontecia pelo menos uma vez por ano. Fica faltando também as festas baquianas na Cave da rua da Consolação e o leilão de chacretes entre os alunos de Direito do Mackenzie, com direito a suite presidencial no Eldorado e almoço regado a champanha. E, as desventuras de um gênio das artes visuais que, no escurinho da boate Berimbau, ao som de Luiz Carlos Paraná, se deixou enroscar pelas coxas roliças e fáceis de uma linda agente do SNI e foi acordar numa cela do presídio do Hipódromo.

Roberto Dupré, abril de 2008.





Resenha CAVALHEIROS, AS DAMAS QUEREM DANÇAR Por Giseli

O conto “Meus Queridos Cavalheiros”, da escritora Sonia Manski, faz parte do livro de mesmo título, publicado, em 2006, pela Editora A Girafa.
O livro aborda as aventuras sedutoras e sexuais de uma mulher. Narrado em 1ª pessoa, a personagem principal da história é uma mulher, que através de suas atitudes reflete sobre sua condição feminina, seus desejos, anseios, traições.
São contos atuais, que mostram as mudanças ocorridas na relação entre homens e mulheres, e mais do que isso, os obstáculos que permeiam essa relação pela dificuldade de ambos lidarem com tais mudanças.
Neste conto específico, a narradora-personagem usa uma linguagem simples que alcança o leitor e, principalmente, a leitora de uma forma objetiva, clara e concisa com um tom bem intimista. Ela relata como a dança, a de salão de baile, a faz feliz, ainda mais quando um parceiro a conduz. Com originalidade e coerência, a dança é o meio utilizado para mostrar a satisfação e o prazer que um cavalheiro, um homem, pode lhe proporcionar.
O tema-chave é justamente a relação entre dama e cavalheiro – homem e mulher – masculino e feminino - macho e fêmea – casal – vocábulos utilizados que, no decorrer do conto, mostram como se dá esse jogo, remetendo também para outras esferas, como a sexual. Numa das passagens do conto, o dançar a dois formando um só corpo, num encaixe perfeito entre macho e fêmea, se movimentando juntos, e na duração da música, se dá a união completa entre os dois – é uma metáfora do ato sexual.
A personagem estabelece um diálogo reflexivo com ela mesma de forma confiante e até tranqüila, pois está numa condição de mulher do século 21 que sabe exatamente o que quer e com muita vontade de viver e de celebrar a vida. Ser conduzida pelo cavalheiro, acompanhá-lo, a satisfaz, desde que ele o faça com propriedade e delicadeza. Contudo, se a dúvida na relação paira no sexo masculino, pois antes o papel do homem sempre fora o de conduzir a mulher não apenas na dança; para ela, isso não é dúvida, nem um problema, pois com sua determinação ela defende sua condição de mulher independente, sugerindo, aconselhando e valorizando o sexo oposto em prol de sua própria satisfação e prazer: “Distribuam satisfação. Tirem todas as damas para dançar”.
É um conto que vale muito a pena ser lido, ou melhor, todo o livro da autora, pois tem uma atmosfera do universo feminino que inicialmente pode até assustar inclusive o sexo oposto, mas é o retrato atual do comportamento de muitas mulheres que buscam a felicidade a dois, seja num salão de baile, seja num relacionamento íntimo – mesmo que muitas vezes incompreendidas. Pois, cavalheiros, as damas querem dançar!
A autora, Sonia Manski, inteligentemente nos presenteia com este livro. Paulistana, formada em arquitetura e psicologia, escreveu também Sem cerimônia, em 2002, publicado pela Ágora, e crônicas dispersas, uma delas premiada no concurso da Revista da Folha, em 2003. Também é colaboradora do Nanquim, no portal www.taste.com.br.


Resenha MEUS QUERIDOS CAVALHEIROS – CONTO DE SONIA MANSKI Por Bruna

A autora, Sonia Manski, aborda o tema da sedução através da dança. A abordagem do tema é feito através de uma carta aberta aos homens, como se o convite à dança ainda fosse prerrogativa masculina.
Ela se posiciona a favor daquele hábito, aparentemente imutável, e estimula os “cavalheiros” a se colocarem de forma claramente disponível para abrigarem as “damas” em seus braços protetores.
Os argumentos da autora se confundem um pouco pela forma que adotou - uma carta aberta aos cavalheiros - como se ela quisesse tornar pública sua preferência pessoal pela proteção masculina. Ela escolheu entre as danças, não a valsa com seu rodopiar volúvel e superficial, nem o fox-trot, de passos ritmados e quase geométricos, mas o tango, símbolo do assedio amoroso, da conquista e da posse, sonho de qualquer donzela a espera do amor arrebatador. Faltou alguma ironia quando declara ter prazer em ser comandada, pois enquanto parece simbolicamente estender a mão para ser passivamente conduzida, dá a entender que pretende, ela, dominar.
Formada em psicologia, contemporânea e ainda relativamente jovem, a escritora não parece atualizada quanto ao comportamento de hoje, quando as mulheres, bem posicionadas em relação à importância de seu papel na sociedade, já têm voz, propostas, iniciativas e exigências respeitadas.
A autora da carta nos remeteu a uma Scarlett O’Hara, na sua mais ambiciosa fase de arrivismo, que o vento levou à soleira de Sonia Manski, para estimula-la a uma ilusória escalada no mundo literário.


Resenha MEUS QUERIDOS COMPANHEIROS Por Marlene

A autora aborda o sentimento de estar completo com o outro por meio da dança.
Neste exemplo, a autora questiona o sentimento de culpa que alguns homens possuem atualmente quando o homem assume a postura de conduzir a mulher e, por sua vez, a mulher justifica-se porque gosta de ser conduzida.
Na visão da autora, o relacionamento, o prazer está além da relação macho-dominante/fêmea-passiva. Para a autora o importante é o sentimento de complementação e unicidade que uma convivência ainda que efêmera possa proporcionar. O prazer e a alegria estão acima do que possam ditar as regras sociais vigentes.
O prazer de servir, ser (bem) conduzida, se deixar levar. Não se preocupar com os papéis sociais, não usar máscaras. Ser o que se é.
Gostamos de ser servidos.Mas também nos satisfaz servir.Dar prazer ao outro. Fazer o outro se sentir feliz com a nossa felicidade.Se para a dança sempre foi assim, porque não continuar assim. Por que o atual preconceito que a mulher não pode ser dependente, não pode ser conduzida? Gostamos de ser mimadas, elogiadas, protegidas. Muitas vezes, quando não o somos, ficamos sentidas! Mas observe bem: deve ser uma relação de mútuo prazer, como a dança!Como já dizia o meu velho pai: Um negócio só é bom quando é bom para ambas as partes.


Resenha AS LINHAS DA MÃO Por Marlene

O autor aborda sobre predestinação.
Um homem com uma desilusão amorosa por uma mulher inacessível. A mulher era o fio que o prendia. Para ele não há vida sem esta mulher.O autor acredita que o amor é predestinação.
O título às linhas da mão, o fio como elo de uma seqüência de ações, de uma mensagem (carta), de uma ação final (tiro), por causa de uma mulher (quadro) inatingível (costa de uma mulher reclinada sobre o divã).
O autor foi genial na descrição. A medida em que se lê, constroem-se as imagens. Aguça a curiosidade onde a linha vai prosseguir. E quando se chega no final do texto, é que se entende toda a história.



RESENHA AS LINHAS DA MÃO Por Bruna


O autor trata da morte voluntária, sua decisão, a revisão de toda uma vida, e
desta, sua corriqueira grande insignificância. Apresenta o problema de como chegar a seu desfecho, numa retrospectiva, percorrendo o caminho da própria vida , caminho este do qual o autor, metaforicamente, parece só usar o trajeto físico e urbano. Entretanto, ao mencionar uma pintura de Boucher – pintor do século XVI de cenas predominantemente bucólicas – o autor confere certa serenidade à decisão daquele ser anônimo que lembraria tanto com um sorriso da mulher reclinada num sofá, como, com súbito sobressaltar, de um lampejar de raios, ou, amargamente, das linda pernas de uma desconhecida loira, que, quem sabe, poderia ter abordado, mas não o fez.
A posição do autor é isenta, impessoal: respeita a decisão deste homem desconhecido, que escolhe sair da vida tão totalmente que perpetra o suicídio num navio, fora do núcleo vivido. E não importa que ele fosse marinheiro, amante rejeitado, ou exilado repudiado pelo próprio país; nem importa a razão de sua decisão: qualquer que ela tenha sido, carta de abandono, aviso de extradição ou vaticínio de cartomante, ele, que já ouve o apito da partida do navio, pode prever a gritaria das gaivotas na espuma da popa, quando só então ele será achado, com o navio já longe, no alto mar que talvez venha ser sua sepultura. O dito e o não dito: amarga poesia.
Na metáfora usada pela linha da vida que percorre casas e ruas, o autor apresenta como argumento complementar, a impermeabilidade da cidade que, apesar da tragédia em curso, continuará a mesma. Perde um ser, mas permanecerá – sem emoção – ao renovar-se nas paredes com quadros, nas costas de uma mulher amada, nos tetos cobertos de antenas e pára-raios, no trânsito das ruas, na má vontade dos conferentes alfandegários, nos navios chegando e outros partindo, com seus floridos turistas e talvez mais um suicida.
Julio Cortázar, considerado um escritor que mescla realismo social e político à inspiração fantástica (segundo a enciclopédia Larousse, 1977), foi definido por Antonioni “un comunista all’acqua di rose” por seu engajamento político contra as ditaduras sem ter-se, todavia, envolvido na luta armada mas contando unicamente com a força das palavras. Apesar de sua tendência ao fantástico, frequentemente, como fez agora com Boucher, cita em seus contos, pintores (Ticiano, Holbein, Magritte) das mais diversas escolas comprovando assim ser confortável como pensador em qualquer tendência, do bucólico, ao renascentismo, e do retratismo clássico ao mais ousado surrealismo. Neste conto, revela-se ao leitor como um autor essencialmente concretista de uma concisão muito peculiar, ao mesmo tempo com um sentido muito preciso da realidade. Por pesquisa, por instinto ou por sofrida experiência, Cortázar tem um profundo conhecimento do “pathos” humano, tanto dos personagens como dos leitores. A definição de “pathos” não é aqui somente a “paixão” humana, mas quer incluir com alguma ênfase, as confusões da alma, suas manifestações mais incompreensíveis e obscuras. Só que Cortázar não as descreve, mas as deixa explícitas nas ações de seus personagens. Em seus contos, eles são anônimos, sem nacionalidade, sem identidade, sem nome. Tanto faz que eles por acaso se chamem João, estejam em Roma ou Paris, sejam argentinos, belgas ou escandinavos: eles se comportam como indivíduos sem bagagem histórica ou folclórica, não são afeitos a obediência ancestral. São indivíduos na mais completa asserção da palavra: seres únicos naquele preciso momento, naquela precisa situação. E sem julgamento. Cortázar sabia destilar um sarcasmo quase jocoso, como no conto, “Sábio com buraco na memória”, tão conciso e contundente quanto este, misturando citações históricas, pequenos provérbios e frases feitas.
Tudo isto faz de Cortázar, um dos escritores contemporâneos mais universais entre os autores latino-americanos.


RESENHA POR ENQUANTO Por Bruna

Clarice Lispector trata, em seu conto “Por Enquanto” da solidão, não só a do
viver só, mas a das horas que parecem não passar entre compromissos e afazeres, entre hábitos individuais ou sociais, entre uma vontade e outra.
O problema é que aqueles “entreatos” nos obrigam a achar o que fazer, onde colocar as mãos, onde sentar; enquanto esperamos o momento destinado a outra coisa, são o perigo de sentir–nos não mais sozinhos mas inúteis. E aí nos recorremos a coisas sem importância, como comer fora de hora sem necessidade, só para ver mais alguém ao nosso redor, nem que seja a cozinheira.
O “para que” de Clarice é perigoso demais: pode levar a respostas que não gostaríamos de saber dar. Então ela, corajosamente, esforça-se para substituir o “para que” pelo “por enquanto”. O leitor pergunta-se: para que marcou a visita das oito? arrependeu-se de aceita-la? Quem será? Para que aquela visita? Ou a programou para que o dia das mães não terminasse logo após o almoço com o filho? Esse filho, que tem tão pouco volume na estória, que pode ter sido ele quem, aguardando a hora de sair de casa para o almoço com a mãe, preenche a espera indo fazer pipí. Esse filho que não mereceu nenhuma descrição outra se não de obedientemente ter deixado de trazer presentes. Quem é?, como é? Não sabemos. Entretanto Clarice passa detalhes do almoço, a carne, o vinho, e, mais tarde, da uma comovedora descrição da cozinheira: seu peso cheio de receitas e de sentimentos conflitantes, sua presença, seu rosto liso, já é quase uma caricia. É ela sua “não-solidão”. È ela quem contribui ao dissipar-se dos “por enquanto” e dos “para que” de Clarice.
O argumento complementar é a recusa implícita de admitir que aqueles “por enquanto” podem acabar sendo tão grandes, tão frequentes e tão contínuos que arriscam de transformar-se em acomodação, em vácuos rotineiros, em assustadores “para sempre” aguardando a ação final, passiva mas indefectível, que é a morte.
É este traço que reencontramos, desta vez bem assumido, no final de “A hora da Estrela”: “Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Eu também?”

O estilo deste conto, - os saltos repentinos de um argumento para outro, idas e voltas, “interlúdios” entre o escrever para esperar, comer para esperar, trocar de roupa, ver televisão, tudo para esperar - parece leve, casual, porque é dia-a-dia. Não é. Ele é intencionalmente trabalhado para que suas frases curtas obriguem o leitor a pausas maiores, enfatizando ainda mais a lentidão do passar do tempo, aumentando a angustia do relógio. Tudo isto distancia o incauto do estilo ofegante que a autora imprimiu à sua anterior “Agua viva”, onde ela nos atropela com um mar de palavras, adjetivos, ansiedades: era o desespero da falta de inspiração de um artista. “Água Viva” era o ante-parto da inspiração criativa de uma obra: como numa medusa, tentacular mas translúcida, dava para sentir as contrações quase vaginais das suas bainhas, impulsionarem este animalzinho, mar acima, em direção à luz, à clareza interior, esperando o surgir da idéia e sua realização. Confirmação e contraste: a inexistência temporária da criatividade artística, com a quase invisibilidade do celenterado.
Mais contrastante ainda a Clarice de “A hora da Estrela”, pois numa tentativa de eximir-se da autoria da personagem Macabéa, ela inventa um contador para aquela sua estória. Ato de modéstia pois aquela criatura , a autora sabe, é roubada à realidade das patéticas temerárias que se aventuram pelas metrópoles e são engolidas por elas. Este contraste, entretanto, cai novamente nas últimas linhas daquela pequena obra prima, onde Clarice coloca, na boca do autor fictício, não somente “me lembrei que a gente morre”, mas - como uma reflexão tardia – um daqueles mesmos “por enquanto” tão seus: “.....por enquanto é tempo de morangos”.
É a caleidoscópica Clarice, reconhecível ou não. E se irreconhecível, será sempre uma grata surpresa redescobri-la.
Por coincidência, encaixar-se-ia neste conto de Clarice, e para Clarice, uma dica de Cortázar, na contracapa do livro “Histórias de Cronópios e de Famas”:

“Pense nisto: quando dão a você de presente um relógio,
estão dando um pequeno inferno enfeitado,
uma corrente de rosas,
um calabouço de ar.”





resenha POR ENQUANTO Por Marlene

A autora fala sobre a expectativa da mudança de vida.
O medo da solidão e a depressão estão presentes em todo o texto.
E na visão da personagem da história, esta é uma situação passageira, e enquanto ela não muda, vai-se preenchendo o tempo, fazendo qualquer coisa para o tempo passar, qualquer coisa para não pensar em si mesma.”Morre-se”. Entre um viver e outro.
A personagem questiona o que fazer no momento e no momento seguinte. Ela espera que o tempo passe até que descubra um novo sentido para viver. Como ser útil de novo já que o filho não precisa mais dela, alguém morreu – e ela poderia ter ido ao enterro , queria falar com alguém , ser ouvida, queria dar um beijo na empregada que não iria entender a sua necessidade de expressar e receber afeto,tem saudade do que não teve ou não tem mais.E enquanto espera mudar , vai preenchendo o tempo.



Resenha Ditando o Ritmo Por Paulo Sancer

Ler definitivamente não é um ato solitário, um vôo solo por sobre as linhas da página. Em um de seus poemas, Fernando Pessoa já sentenciara: “Ler é sonhar pela mão de outrem”. É de fato o encontro do leitor com um outro a lhe ditar a história pelos olhos. E para isso, ver simplesmente não basta. A leitura pede entrega, anuência de quem lê e sobretudo talento de quem escreve. A este último cabe conduzir o leitor, ditando o ritmo e marcando o passo. Neste sentido, ler se assemelha a dançar. E quanto mais habilidoso for quem conduz os movimentos, tanto maior será o prazer de quem lê.
Nesta arte dupla, bem poucos mostraram-se mestres como o escritor argentino Julio Cortázar. Seu conto “As Linhas da Mão” é prova desta excelência. Nele, o autor toma nas mãos a imaginação do leitor e a conduz pela cidade no rastro de uma linha que se desprendeu de uma carta. O conto faz parte de “Histórias de Cronópios e de Famas”, sexto livro do escritor, e já traz a estrutura inovadora que marcaria seu estilo e o colocaria no panteão dos melhores contistas do século XX.
Já no conto “Meus Queridos Cavalheiros”, do livro homônimo da escritora Sonia Manski, mais do que uma metáfora, a dança é a própria razão de ser do texto.Em tom confecional, a autora paulistana com formação em psicologia dá voz a uma personagem que não apenas ama dançar, como vê nela a própria expressão da vida.
A linguagem íntima, tão próxima quanto um casal dançando de rosto colado, marca o conto do começo ao fim.

A personagem chega a afirmar sentir prazer em poder servir ao sexo oposto, num rasgo de franqueza que faria muita feminista sapetear de raiva. A mulher, que o conto não dá nome, termina conclamando todos os homens a continuar transportando para o céu em seus braços as suas parceiras e aproveita para agradecer a todos aqueles que o fizeram.

Ao final, tenha o leitor escolhido o conto do escritor portenho ou da jovem escritora paulistana, o que fica é a certeza de que se viveu bons momentos a dois.




Ensaio Dez livros de minhabiblioteca Por Bruna

O velho e o Mar - Ernest Hemingway
Ratos e Homens - John Steinbeck
Ulisses - James Joyce
Mistero Buffo - Dario Fo
A hora da Estrela - Clarice Lispector
A Troia de Aquiles,O mito
pela visão do herói - Fernando Carneiro
Picasso Criador - Pierre Daix
Dada, Arte e Anti-arte - Hans Richter
Paris no XX século - Julio Verne
A menina que roubava livros - Markus Zuzak

O não guardar livros deve ser algo execrado pelos “outros”, que sejam amantes da leitura, cultos, candidatos a cultos, sábios, literatos, educadores, professores, colegas, amigos. Mas é um habito que tenho desde que me lembro de ser gente. Não pensem que me desfaço com desdenho dos livros que leio. Ao contrário: quanto mais eu gosto deles, mais, repassá-los a quem pode apreciá-los, me dá um grande prazer; pensar que quem os lê depois de mim, folheará papel já manuseado, sem mais o cheiro da cola da encadernação, das prateleiras de livrarias; é como compartilhar o meu próprio paladar com os outros: esta mousse de maracujá está divina, quer provar? Como se, a cada parágrafo mais interessante, o novo leitor pensasse: o que será que ela achou disto? Mas raramente as pessoas entram em contato para perguntar ou comentar. Não tem importância. O meu prazer permanece inalterado.
Os livros mais fáceis e os menos importantes vão para bibliotecas itinerantes, para a iniciação de novos leitores.
Gostaria de ter guardado algum dos que dei?
Sim. “Agua viva” de Clarice Lispéctor, pois, ao lado de “A hora da Estrela” , os dois teriam brigado pela primazia de estilo. Confessar que um dos primeiros livros de minha leitura infantil, foi uma brochura ilustrada sobre a vida das medusas, seria piegas. Mas o perdi destroçado pelo desmoronamento de minha casa, e – talvez como defesa inconsciente – não lembrei nunca mais do nome do autor. Guardei todo o resto.
“A menina que roubava livros”, também me leva à minha infância, parecida com a da menina que roubava livros, mesmo que eu nunca tenha roubado nenhum. Deu-me a impressão que agora, adulta, roubei o próprio. Por isto, empresto, mas quero de volta: ele é realmente meu.
E o “A Troia de Aquiles”? Ah, este me leva às carteiras escolares quando ainda sabia interpretar a Odisséia e a Ilíade, quando sabia ainda traduzir os trechos mais fáceis da Enéide, do latim de Virgílio para meu idioma sim, mas o clássico. Revirava minhas trancinhas no dedo indicador enquanto procurava os adjetivos menos corriqueiros e os substantivos mais eruditos. E quantas vezes, agora, ao ler o livro de Fernando Carneiro, vi como aqueles heróis eram diferentes dos imaginados então. Pôxa, que fantástico o Aquiles ter visto a sim mesmo morrer, seu próprio funeral, sua própria solidão final. Porquê Homero não pensou nisto? E afinal, Pátroclo foi um semi-deus como eu o imaginava, ou só um amigo idealista como Aquiles o vê? É como ter dois livros. O último de minha co-autoria.
Convivi – por trabalho – durante alguns anos, com um bipolar: homem cultíssimo, inteligentíssimo e, em fases alternadas, extremamente humano e sensível. Como não ler, reler, examinar, ruminar e tentar entender a suspeita de Pierre Daix, sobre a possível doença de Picasso? A cada olhar meu que por acaso passe por uma tela ou uma reprodução daquele pintor, vou reler trechos da análise de Daix, muitas vezes rejeitando a idéia, outras apoiando-a. É uma contínua procura de uma verdade cuja eterna ausência, não tira o prazer da admiração pela obra.
E os outros livros? Alguns também tem suas razões específicas por ter ficado, outros simplesmente ficam. Se fazem companhia; quem sabe, até conversam entre si, não sei. É claro que devem existir razões, mas nem sempre são muito evidentes até para mim mesma. Guardo por que quero.
É inusitada a busca dos “porquês” das coisas. O “eu quero”. O “eu não quero”. É o livre-arbítrio que rege minha individualidade, que, pelo menos neste campo da leitura e da cultura, não fere nem ofende as regras de comportamento da sociedade em que vivemos.
Admiro e respeito os que freqüentam maior número de autores e guardam para si maior número de obras; os que lhes dedicam maiores espaços de suas casas; os que conseguem maior conhecimento universal. Abrir meu caminho entre eles?
Se escolher a leitura que mais me da prazer for o caminho, faço isto sempre.

Ensaio UM DIA Por Nilson


A idéia de começar a ler veio a partir de um grande princípio, isto é, de um grande sonho.A partir desta idéia surgiu minha primeira leitura, meu primeiro livro. Estávamos em 1995 e eu já podia sentir com ansiedade que algo tinha que ser feito. Foi então que adquiri meu primeiro livro. Título : Por que as coisas nunca dão certo?,do Dr. Laucence J. Piter.
A leitura foi tanto quanto demorada, porém, com um grande resultado. Desta forma inovei meus pensamentos e passei a ouvir o que a minha mãe sempre dizia ... “pegue um livro e vai ler”...
Percebi que com a leitura poderia ter outras visões e ampliar meu cotidiano, meus conhecimentos. Os anos e os dias passaram e até hoje busco aprimoramentos. Esta é uma das razões de estar aqui, hoje ,com vocês .Descobri também que a leitura nos dá uma liberdade única de pensar e agir sem se ferir.




ENSAIO OS LIVROS E EU... OU EU E OS LIVROS Por Neuza

Não senti o prazer de ler muito cedo. Na minha casa de pessoas simples, eu me lembro que só havia dois livros: Antologia Nacional e Geografia Geral. Devem ter sido de meu pai quando ele estudou para Guarda-Livros.
No primeiro, meu pai leu para mim o poema de Casemiro de Abreu “Meus Oito Anos”. Se eu não li sozinha, devia ter pouco mais de cinco anos. No segundo, via as figuras de lugares de outros mundos. E como a impressão era em preto e branco, sempre me ficou a idéia que outros paises eram escuros, nebulosos, cinzentos, diferentes daqui onde eu podia ver o sol.
Durante o curso primário, nada ficou. Mas, em 1940 meu pai ganhou do Circulo Esotérico da Comunhão do Pensamento um livro que foi realmente o primeiro romance que eu li. “Telma a Princesa da Noruega”. De Maria Corelli. E ficou bem marcado o pais do sol à meia noite. Parecia outro mundo. Durante muitos anos essa impressão perdurou. Quando comecei a registrar minhas memórias e citei o fato, procurei em sebos, livrarias e até no Circulo, esse livro. Não encontrei nem vestígio. No ano passado, 2007, uma participante do grupo Escrevivendo, -Telma- ao me ouvir comentar sobre seu nome me disse que tinha o livro e me emprestou.
Com um espaço temporal de mais de 60 anos, a leitura foi totalmente diferente.
Não mais a fantasia de uma menina de 12,14 anos. Não mais o sonho de amor ideal, começando e florescendo nos padrões da época e do lugar. Não mais a atitude de uma mulher da época. Tudo certinho, tudo encaixado, tudo artificial. A única coisa real foi sempre a descrição do lugar, do tempo, do sol à meia noite e o inverno comprido influindo em todos os comportamentos. Trechos longos, descritivos e desagradáveis de ler. Serviu apenas como comparação. Nada contra. Foi escrito numa época de romantismo meloso. Uma Madame Delhi mais elaborada, onde se vê resultados de pesquisas., descrições corretas. Redundante, repetitivo. Li num fôlego porque pulei muitos trechos piegas demais e fora do contexto atual.
OUTROS LIVROS
A coleção completa de Monteiro Lobato (infantil e adulto), as duas coleções de Julio Verne, foram livros lidos já depois de casada, quando estávamos montando a biblioteca dos filhos. E aí começaram as compras de livros. Dois a gostar de ler faziam um rombo no orçamento. Mas, os filhos aproveitaram bem.
Não posso comentar todos. Apenas alguns que deixaram marcas,
Não gosto de ler livros emprestados. Gosto de ter os meus porque posso riscar e rabiscar, grifar trechos que eu gosto ou que me dizem algo. Meus livros sempre estão cheios de cores dos marca textos. Quando eles ainda não existiam, constatei que eu já grifava os textos importantes com régua e caneta.
Meus livros têm sempre recorte de jornal, revista, que falam dele. Uma critica um comentário sempre é recortado e anexado. Se fizer uma pesquisa sobre autor também coloco junto. Gosto muito de ler a “orelha” do livro. Me dá uma noção do que ele vai ser. Não gosto de emprestar, mas acabo cedendo a bons argumentos e assim perco muitos livros. Agora, vou comentar apenas sobre alguns.
De Saramago, gosto de todos. A sua maneira de escrever, sui generis, já é um desafio. E eu gosto de desafios. As suas idéias são no mínimo fantásticas: a separação da península Ibérica do resto da Europa e suas implicações em Jangada de Pedra; a alteração de toda uma história de Portugal por uma palavra apenas “não” em vez do “sim” em História do Cerco de Lisboa; A construção do convento de Mafra e a saga do padre Bartolomeu de Gusmão em Memorial do Convento; Em uma cidade todos os habitante ficam cegos de repente, menos uma pessoa – Ensaio sobre a Cegueira. E por aí vai.
De Saramago, não muito conhecido é Levantado do Chão que aborda a vida dos camponeses de Alentejo na época de Salazar. São capítulos tão densos que eu só podia ler um por vez. Há a descrição de uma tortura que ele vai contando junto com o deslocamento de um carreiro de formigas, dando uma idéia do que acontece, quanto tempo dura a tortura, sem escrever com linguagem direta. Vale a pena ler em voz alta.
Mas, o que merece mais atenção minha é “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” um livro polemico que ou se ama ou se detesta. Se vc tem dogmas religiosos arraigados não leia. Vai criar nó na cabeça.
Logo na primeira parte, quando o autor descreve a crucificação de Cristo, a força do texto é tão grande que se tem a impressão que os personagens vão sair do quadro. Procurei muito saber em qual das crucificações Saramago tinha se baseado – porque há “n” quadros do assunto. Consegui saber que foi o “Crucification” de Albrecht. Dürer, Mas não encontrei sua imagem.
Do mesmo livro, a conversa de Deus, o Diabo e Jesus – aqui no meio do mar nebuloso e não no deserto como dizem os evangelhos. Merece ser lido em voz alta e várias vezes para analisar e meditar.
E tantos outros trechos que só lendo o livro com atenção.
Mais um apenas: No País das Sombras Longas. Seria uma “reportagem romanceada”. Há muita pesquisa. As descrições do local e dos hábitos são corretas. Muito interessante para conhecer um outro mundo, onde se pensa diferente por força das circunstancia ambientais. Coisas chocantes para nós são perfeitamente explicáveis para eles.
O nome se refere aos habitantes do “cucoruto” do mundo, onde o sol passa na tangente e as sombras são longas. À medida que descem rumo ao Equador, as sombras vão ficando cada vez mais curtas.
Fiquei muito brava na segunda parte do livro onde os “brancos” interferem nas tradições e causam uma grande confusão mental em uma esquimó. É a mesma história de sempre: uns acham que o seu é o certo e tentam impor suas idéias. Me lembrou muito o caso dos jesuítas de São Paulo, querendo “civilizar” os índios , impor seus valores destruindo os próprios. Saiu uma continuação, mas, nem sei com chama e não gostei.
Há muitos outros que gostaria de comentar, mas vou fazê-lo aos poucos.



Ensaio Soprinho: meu nascimento cultural Giseli

Se hoje sou o que sou, afirmo com toda a propriedade que, em grande parte, os livros contribuíram para meu nascimento cultural, que se deu aos sete anos de idade ao ganhar de minha amiguinha Patrícia o livro Soprinho, da escritora Fernanda Lopes de Almeida.
Em dias de aniversário, aquela máxima: “Criança gosta mesmo é de brinquedo”, pensei com meus botões quando abri meu presente! Porém, quando a Patrícia me disse: “Giseli, você não vai conseguir ler este livro apenas uma vez, você vai querer ler muitas vezes. Ele é mágico”. Naquela hora, desconfiei daqueles dizeres, não por desacreditar na minha amiga, mas principalmente por achar que ler uma vez um livro com mais de 120 páginas já seria chato, imaginem mais vezes. Gostava
mesmo de leituras mais rápidas, como os gibis da Turma da Mônica e o bom e velho Estadinho.
Então, quis tirar a prova dos 9 e confirmar ou não os dizeres de minha amiga, lá fui eu ler Soprinho. E, surpreendentemente, me apaixonei umas oito vezes por ele. Um livro simplesmente encantador.
O livro é um objeto que tem vida própria sim, tem o poder de transformar caminhos, abrir mentes e corações daquelas pessoas que, por sorte do destino, por indicação de um leitor, ou pela influência divina, pegam em suas mãos tal objeto.
Graças a minha amiguinha e aos seres mágicos e imaginários do bem, minha primeira leitura foi fantástica, divertida, e mais do que tudo isso, sentia-me muito bem acompanhada dos meus amigos personagens, pois entrei na história, fiz parte dela, me envolvi plenamente.
A solidão das crianças nesta fase da vida encontra acalanto com a criação por parte delas dos seus amiguinhos imaginários, aliás, grandes companheiros, como o Soprinho foi para mim.
E ainda melhor do que a emoção da primeira leitura é sentir que depois do meu nascimento cultural, a sementinha plantada não parou de crescer...


Ensaio Carta a Um Velho amigo Por Paulo Sancer

Parte do que vou contar aqui aconteceu há muito tempo, mais de 20 anos, por isso é natural que muito tenha se perdido. Lembro que era manhã, fins de março e do verão, e que o chão da quadra de esportes estava molhado; devia ter chovido na noite anterior. Eu mal tinha acabado de completar meus primeiros dois meses no Senai, uma escola de aprendizagem técnica que tem aqui em São Paulo, no Rio e em diversos outros cantos do país. A minha ficava no Brás.
Eu tinha 14 anos na época, mas parecia bem menos, era pequeno, nanico mesmo, proporcionalmente magro, cabeludo e ainda estava descobrindo aos poucos os segredos daquele velho prédio construído na década de 50.
Naquela manhã, para surpresa geral, fomos conduzidos todos para a quadra de esportes, no pátio central da unidade. Alguns alunos foram tirados das filas e conduzidos escada acima, para o 1º andar sobre o refeitório. Eu estava entre eles, e como eles não entendia muito bem o que estava acontecendo. Não entendia e não via. Tinha um monte de gente na minha frente. Segui a boiada.
Do alto do primeiro andar, de uma varanda larga e espaçosa, podiamos divisar todo o pátio tomado pelos alunos. Eram muitos. Ouvimos em silêncio o discurso do diretor da escola. Não lembro o que ele disse exatamente. Só a parte final, em que revelou que seriam premiados os alunos que conseguiram obter médias A e B naquele primeiro bimestre. Eu não desconhecia que tivesse só essas notas no boletim, mas era para mim completa surpresa saber que ganharia alguma coisa com isso.
Em fila indiana, caminhamos até o diretor, atravessando toda a varanda de uma escada a outra. Não conseguia ver nada. Os meninos a minha frente eram muito maiores e por mais que eu procurasse um espaço aqui e ali, não conseguia ver o que eles estavam ganhando. Paciência, segui.
Não sei se cheguei a pensar no que iria ganhar: uma medalha, um troféu, acho que não pensei em nada. As coisas se passaram depressa demais. Fui acompanhando o meu colega da frente até chegar a minha vez, até que o diretor colocasse em minhas mãos um livro. Sim, um livro, capa vermelha, títulos em branco, ilustração de um homem e cavalos na capa, edição de bolso – bem, eu demorei a perceber esse último detalhe porque também eu era de bolso naquela época.
“Miguel Strogoff, o correio do czar”, de Julio Verne. Foi o primeiro livro que ganhei na vida e só naquele momento me dei conta disso. Não imagino outro presente melhor para se ganhar. E nenhum dos outros presentes que vieram depois me acompanhariam por tanto tempo. Nesses 20 anos, foram muitas as vezes em que li o pequeno livro do escritor francês. Como um amigo fiel, ele sempre teve tempo para mim. E em nossas conversas, curioso, o assunto nunca era o mesmo. A gente envelhece, vê o mundo com outros olhos, e os livros nos tocam de maneira diferente. Meu grande livro de bolso acompanhou solidário essas mudanças. Envelheci, ele desbotou e ganhou orelhas; vieram meus primeiros fios brancos, suas páginas tingiram-se de amarelo.
Outro dia lembro de ter cruzado com ele na casa dos meus pais; não nos comprimentamos. Estava ocupado com um trabalho. Tenho certeza que ele deve ter acenado para mim. Mas não vi, não dei atenção.
No último encontro aqui na Casa, também trouxe minha lista dos livros importantes em minha vida. Escolhi alguns pela história bem contada, outros pela importância do autor. Tolice, não se escolhe um livro verdadeiramente importante desse jeito, assim como não se escolhe um amigo porque fale bem ou seja famoso. O que vale mesmo é como esse amigo – seja ele de carne e osso ou papel – nos ajudou a contar a nossa história. E nesse ponto, o pequeno livro vermelho merece figurar nesta lista sem rivais.
Essa carta é o meu pedido de perdão a um velho amigo que, estou certo, há de perdoar a minha falta e continuar a me receber de páginas abertas para uma nova e boa conversa.


Resenha sobre meu próprio livro Por Sandra

Um Traço, Um Ponto, Um Poema,Um Conto
Muito mais que um livro de contos e poesias Um Traço, Um Ponto, Um Poema, Um conto é a compilação de experiências e observações da autora, extraídas da simplicidade do cotidiano, narradas com detalhes, mas de simples leitura. A nova obra tem como proposta uma leveza literária. Prefaciada por Steven Butterman, professor da Universidade de Miami, o livro ainda conta com apresentações dos jornalistas Paulo Markun e Heliana DeWeese.
Editado pela Edições Inteligentes, Um Traço, Um Ponto, Um Poema, Um conto estará a venda aqui em Miami na Book & Books ao preço de US$ 12.00.
segunda-feira, 5 de abril de 2004- Paulo Markun,

UM TRAÇO, UM PONTO, UM POEMA, UM CONTO.

Se você encontrar numa boa casa do ramo um livrinho de capa branca e cor de rosa chamado Um traço, um ponto, um poema, um conto, , não deixe de olhar - e comprar se possível, já que é disso que vivem os autores.
No lançamento, agora há pouco, na Livraria Cultura, do Shopping Villa Lobos em São Paulo, reencontrei pessoalmente a autora que me pedira para fazer o texto da contra-capa. Que é o seguinte:

Sandra Schamas ressurgiu pela caixa de correio eletrônico, depois de nem sei quantos anos - tantos, que ainda me chama de Paulo Sergio, como só fazem os de antigamente.
Sandra fez um resumo de sua vida, disse que ia publicar um livro, perguntou se eu leria os originais. Concordei e, alguns dias depois, outra vez pela internet, recebi uma versão eletrônica desse Um traço, um ponto, um poema, um conto.
Ali reencontrei, finalmente, minha amiga desaparecida. Que certamente não usa mais o vestido tubinho verde cheguei, não dança ao som de Miriam Makeba, nem faz excursões estudantis pelo interior de São Paulo. Romântica inveterada, vai e volta entre o passado e o presente, costurando memórias e observações com ironia, ingenuidade, competência. Fotografa imagens e grava emoções sem nenhuma dessas bugigangas eletrônicas que prometem mundos e fundos e cujo manuseio não dispensa manuais e mil instruções. Sandrinha ( é a vingança pelo Paulo Sergio) usa lápis e papel, caneta, vá lá, quem sabe, um computador e assim vasculha as quinquilharias da alma. E desse modo faz um striptease pudico, numa despudorada exibição de sonhos, fantasias, desilusões de quem foi olhando aqui, registrando ali, rabiscando lá.
Um traço, um ponto, um poema, um conto são verdadeiras confissões de uma eterna adolescente. E esse é seu grande valor.


Resenha do livro Um Traço, Um Ponto , Um Poema, Um Conto
No seu livro Um Traço, Um Ponto , Um Poema, Um Conto a autora reúne contos, poesias e ilustrações de sua autoria. Em narrativa simples e fluída ela descreve com sensibilidade, cenas do cotidiano com um toque de romantismo e humor.Sem intenção de ser uma obra literária, o livro é simples, sincero, e seria até infantil, não fosse o erotismo subentendido em alguns contos e poesias.
Pensando na obra como uma leitura leve, para horas de lazer, pode ser interessante e criativo, mas nada tem a acrescentar em termos literários. As poesias tem ritmo e sonoridade, os contos são agradáveis de ler, as ilustrações e o conceito visual são divertidos. Mas, pode ser considerado apenas um ensaio.
Um Traço, Um Ponto , Um Poema, Um Conto, escrito há mais de 15 anos e publicado há quatro, é moderno na sua apresentação gráfica que mais lembra um caderno de notas manuscrito, como o recém lança X-Tudo de Evandro Mesquita.
Em português coloquial, porém correto, a autora consegue ser original.



Resenha sobre a resenha de Sandra Schamas sobre seu livro

“Um traço, um ponto, um poema, um conto”
de sua autoria.

Sandra é colega de classe que corajosamente prontificou-se a analisar seu próprio livro, já que nenhum dos três contos oferecidos pelo curso que frequentamos, a inspirou a confrontar-se com seus autores. Não deve ter sido fácil sair de si mesma, como em transe, levitando sobre seu próprio trabalho, já sazonado. Apesar de transmitir sincera modéstia quanto à qualidade dos mesmos, deixou-se influenciar pelo julgamento de um dos dois jornalistas que a apresentaram na publicação (EI-Edições inteligentes-2004). Conhecendo no jornalista Paulo Markum sua devoção para a “isenção” e sua meticulosa pesquisa histórica – admiravelmente comprovada em seu livro sobre Anita Garibaldi – estranhamos que seu texto, impregnado de amizade, tenha se limitado às reminiscências quase infantis de tempo idos. Mas viu-se que, sinceramente, gostou por ter reconhecido na autora a Sandrinha de outrora.
Foi Helen DeWeese, entretanto, que, apesar de virtudes apontadas em sua análise, declara que “o livro não tem a grande pretensão de ser uma obra literária”. Foi neste texto que Sandra atingiu – inconscientemente talvez – para ela mesma confessar “sem intenção de ser uma obra literária ..... pode ser considerado apenas um ensaio”.
Não vou entrar nesse mérito, mas – como leitora, respeitosa que sou de um autor de cuja obra considero-me “novata” – me surpreende que nenhum dos dois apresentadores tenha evidenciado um detalhe bastante único no estilo de Sandra neste livro. “Um Traço, um Ponto, um Poema, um Conto”- Se ela tivesse invertido no título a ordem dos fatores, ( Um Ponto, um Conto, um Poema, um Traço) teriam os dois jornalistas notado que na maioria das vezes Sandra começa contando um conto que acaba parindo um poema? É como se, na realidade, Sandra escrevesse um conto para justificar a inspiração poética que o segue, ficando o Ponto (de partida para estória), e o Traço (suas ilustrações), como fios condutores, mas acessórios, de suas reminiscências. Visto assim, o livro de Sandra nos entrega algo bastante novo em seu gênero, o que não foi nem anotado nem – aparentemente – notado. Permanecem todas as outras apreciações, mas, seguramente se esta última tivesse sido “descoberta” e claramente enquadrada na lapela e contracapa do livro, teria sido mais um simpático meio de impulsionar o leitor em potencial.
E, como leitor em potencial que sou, e só como leitor, sem investir-me nem de crítico nem de ensaísta, atrevo-me a achar que a prosa de Sandra está aquém da sonoridade de seus poemas, respirados, suspirados, pequenos e simples, por isto mesmo muito tocantes.
Estas qualidades não precisam de justificativas.





Crítica de mídias diversas INFORMAR, ENFORMAR OU DEFORMAR...?
Por Marlene

Como é sabido, vivemos na era da informação.Necessitamos da informação para sobreviver, viver, saber se amanhã teremos ônibus ou não, se vai chover, se o preço da gasolina vai subir, qual foi à última descoberta na medicina, se Lula vai ou não vai para o terceiro mandato, o que acontece com celebridades. Entre os meios, o mais acessível e acessado é, sem dúvida, a televisão. Ela está por toda parte: na sala,nos quartos, na cozinha, no banheiro, nas salas de espera de consultórios, agências, ônibus, táxis, nos carros, etc. Durante os meus afazeres domésticos posso “ouvir “ Ana Maria Braga, Palmirinha, Jornal nacional ou quem sabe Jornal da Cultura,todos com os seus devidos patrocinadores. Sim. A maioria da população não tem como acessar canais pagos.Não importa!Tem para todos os gostos e todas as camadas sociais!
Mas se o papel da TV além do entretenimento, è manter bem informado quem assiste aos programas, há que se pensar sobre o seu real papel como fonte de informação e o seu poder de influência sobre o comportamento das pessoas. Por exemplo: programas chamados “femininos” possuem em sua pauta assuntos como manter a saúde. Médicos e nutricionistas são entrevistados para orientarem a população sobre quais alimentos devem ser ingeridos. Segue a programação com a receita do dia, feita com enlatados ou embutidos, dependendo de quem patrocina, com uma dose cavalar de carboidratos e as atualmente temidas gorduras trans.E nos intervalos temos os patrocinadores que anunciam: Use o adoçante TAL e fique magra; usando o medicamento xantolli não ocorrerá a absorção de gorduras. Você continuará magra, bonita e saudável, Ministério da saúde adverte: cigarro faz mal a saúde (bem rapidinho), mas o cigarro está lá. E a ridícula criança que esperneia e exige que a mãe lhe compre brócolis para comer!A mãe decide por um produto industrializado.
E a dengue? Ah! Grande epidemia assola o Rio de Janeiro! E nós, de outros estados, devemos temer os mosquitos transmissores posto que não conhecem as fronteiras territoriais demarcadas pelo homem.De quem é a culpa? Serviços de saúde que não conseguem atender a demanda, governos que não constroem mais hospitais, ou a população que ainda não se deu conta e ao trabalho de eliminar a água parada e entulho, criadouros de mosquitos e outros vetores de doenças?Mas todos querem os seus direitos. E a TV mostra pessoas desesperadas e com ânimos alterados, incitando outros cidadãos a comportamentos violentos.Não devemos esquecer a divulgação na mesma emissora do repelente que se aplica na pele e do mata mosquito eficiente!
Caso Isabela. Ouço a repórter, da porta de uma delegacia dando as últimas notícias com um fundo sonoro de “assassino! Assassino! Direcionado ao pai da menina. Pode ser. Mas não me esqueci do caso da Escola Base”.Não me lembro de ter ouvido falar, no entanto, se a mesma imprensa que divulgou as acusações ao casal dono da Escola tem feito alguma coisa para ajudar o casal se reerguer do massacre imposto.
E o efeito estufa?
O calor está destruindo o nosso planeta. Causas? Consumo desenfreado, poluição por derivados do petróleo, desmatamento irresponsável... Da Amazônia. Mas teremos o combustível verde! Divulga-se que estão plantando de cana de açúcar por toda parte.O presidente sorri feliz!(Não sei por qual produto da cana). Cresci ouvindo do meu matuto e querido pai que a cana de açúcar exaure a terra. Ele mesmo fazia rodízio da pequena plantação destinada à alimentação dos animais do nosso sítio. O pior, e não divulgado, é que estão, na calada da noite, derrubando muitas árvores e enterrando-as em grandes valas. Isto também não é divulgado. Isto não vai afetar o meio ambiente? E o alimento? Vamos comer açúcar, rapadura e aprenderemos fazer salada das folhas da cana regada com uma boa pinga... Quem são os donos das usinas? Entre outros, deputados!Não interessa a população saber?
E o que diverte e entretém? Um senhor ex-cantor, de modos elegantes ou casais desconfiados de protuberâncias frontais expondo intimidades para quem quiser saber, ou os intermináveis desfiles de lingeries expostos em acessórios ambulantes de cabeça loura.Vai dar namoro ou não vai? Hoje não, Márcio!Mas na novela, o dono da favela vai para a cama com a gostosa enfermeira em cujo figurino insistem em colocar na cabeça aquela ridícula touquinha em pleno século XXI! Argh!Vai para a cama. Acompanhemos os intermináveis capítulos até a consumação.Para não doer à consciência , inserem no texto da novela, temas como problemas sociais e racismo. Mas o que as pessoas vão querer ver mesmo, e por isso a demora é saber quando o dono da favela vai para a cama com a enfermeira. Os bons programas costumam acontecer tarde da noite, quando a maioria da população já dorme um sono solto posto que deve acordar muito cedo para o trabalho.
Pouco vejo pessoas comentarem o que leram ou ouviram no rádio. Sempre o que assitiram na TV. Não sei se a TV sabe disto. E se sabe da influência que tem nas diversas camadas da população. Será que não está na hora de rever os conteúdos das programações veiculadas e criar programas mais informativos e não enformativos ou deformativos?


Resenha alternativa MINHA PROFISSÃO É ANDAR - Pecci, João Carlos, 1942
São Paulo: Summus Editorial Ltda. 1980 Por Neuza

Dados Biográficos do autor
João Carlos Pecci nasceu em São Paulo, em 1942.. Pintor, escritor e poeta.Irmão e biógrafo de Toquinho, seu parceiro em algumas composições.
Aos 23 anos completou o curso de Ciências Contábeis Econômicas na PUC e com quase 26 anos chegava até o 5º ano de Direito na USP.
E aí sofreu um acidente de carro na Via Dutra em 1968,. Com o impacto da batida sofreu fratura na sexta vértebra cervical ficando paraplégico
Depois de muita angústia, de ficar internado e fazer a reabilitação, hoje consegue andar com ajuda de suas bengalas canadenses e dirigir seu Monza adaptado Para melhorar os movimentos da mão, começou a pintar quadros, e diz que foi uma terapia que virou profissão. Casou-se com Márcia em e em 1996 eles tiveram uma filha, Marina.


Síntese do Conteúdo e minhas considerações pessoais
O tema é a Deficiência Física pessoal e de como foi enfrentada por ele.
Livro autobiográfico, escrito na primeira pessoa, conta a vida do autor de maneira linear desde o momento do acidente – com ligeira “apresentação” dos preliminares, Paraplégico, escreve sobre os tempos de hospitalização, os desconfortos físicos e emocionais. O apoio da família, dos amigos, as primeiras manifestações de sexualidade na nova condição. A ida para casa e o doloroso processo de reabilitação.
O tratamento pessoal, subjetivo, mas racional da sua mudança de vida.
O autor dá um depoimento sincero de sua situação e transmite a possibilidade de estar no mundo e não segregado por conta de uma deficiência.
Texto coerente, profundo, não original, não pretende ser profundo, mas abrangente.

Continuação natural de “Minha Profissão é Andar” é “Velejando a Vida”
Livro de Tema semelhante: Feliz Ano Velho de Marcelo Rubens Paiva.
1ª edição – 1982
Sofreu um acidente semelhante ao de José Carlos Pecci.
Ficou também paraplégico.
O texto de João Carlos é mais denso, mescla o objetivo com o subjetivo. Usa a veia artística como compensação de sua relação com o mundo.
No Texto de Marcelo a abordagem da situação é de estilo mais leve, com mais humor, apesar de tudo. Também venceu a marginalidade e hoje é um jornalista conhecido.



Ensaio Crítico Jogo de Vida ou Morte Paulo Sancer



Quanto vale uma vida humana? Qual o preço de uma em um mundo onde um pai é capaz de jogar a filha do alto de um prédio? Quanto vale uma em papel moeda? E em papel jornal?
Amanhã, mais para a tarde, dois grandes times de futebol aqui da capital vão lutar pelo direito de ir à final do campeonato paulista. O verbo lutar não está sendo usado aqui de maneira leviana. Artilheiro, capitão, comandante, arqueiro, ataque, contra-ataque, defesa, flancos, estratégia – o futebol é uma guerra, feita de suor, lágrimas e sangue. Um conflito que se trava também no campo das palavras, e que tem nas fileiras da imprensa seus mais aguerridos colaboradores. Suas manobras iniciam-se bem antes dos 90 minutos, já no início da semana, quando um batalhão de repórteres invade as concentrações em busca de notícias.
No cenário atual do futebol brasileiro, onde craques são tão raros como políticos honestos, as partidas carecem de outros ingredientes para conquistar a audiência. A mídia esportiva incumbe-se desta missão, emprestando às disputas drama, conflitos e tensões.
É à caça desses atrativos que os jornalistas suam a farda, fazendo perguntas aqui, abrindo margem para insinuações ali, remexendo antigas feridas de outros confrontos quando convém, envenenando os ânimos quase sempre. Os técnicos, por coincidência dois ex-jogadores, sabem bem disso, e procuram manter seus atletas e mesmo a comissão técnica longe de polêmicas. Mas sempre existirão os falastrões dispostos a aparecer mais que os seus companheiros de time. A eles, a imprensa agradece.
A acompanhar todos os atos dessa ópera bufa, posicionadas logo ali na fila do gargarejo, estão as torcidas organizadas – garfo e faca na mão, com seu apetite homicida e disposição sem medida para matar e morrer pelo seu time do coração – com uma clara predileção pela primeira alternativa.
Quando chegar o grande dia, elas marcharão pela cidade e aproveitarão qualquer oportunidade que surja: na porta do estádio, nas estações do metrô, ou nos ônibus que fazem ponto no Centro, na ida ou na volta. Os choques entre as organizadas são previsíveis e, até certo ponto, inevitáveis. A mídia esportiva dá a elas os argumentos de que precisam para odiarem-se ainda mais.
Esses grupos vão se encontrar, é certo. E não é difícil prever que o pior aconteça. Afinal, nesse jogo não há lugar para o fair play.
Se for um membro das organizadas a tombar, não faltarão em seu enterro as devidas honras a um soldado que morreu em combate: a salva de 12 tiros Caramuru, a bandeira do clube sobre o caixão, os gritos de guerra e as juras de vingança. Mas, e se não for um membro? E se for apenas um inocente que teve o azar de cruzar com a torcida rival e pagou um preço alto demais por ter se atrevido a sair de casa com a camisa do seu time?
Enquanto isso, em outro canto da cidade, estará começando mais uma mesa redonda de domingo. Bem acomodados e à vontade diante das câmeras estarão o nosso repórter combatente, pronto e a postos para ser condecorado pelos índices de audiência; o comentarista erudito, capaz de citar de cor e salteado a escalação dos dois times em 1950; o comentarista polêmico, admirado por não ter papas na língua e dizer o que pensa, mesmo que não saiba muito bem sobre o que se está falando. Um torcedor que a necessidade de espetáculo pôs diante do microfone.
Fechando a escalação, o apresentador: um jornalista eclético, que reúne todas as qualidades suspeitas de seus companheiros de mesa e outras que o programa se encarregará de mostrar.
Em seu formato usual, o programa falará ostensivamente sobre o clássico, mostrará os melhores momentos, os gols – se existirem – os lances polêmicos – claro – o choro de quem perdeu, as lágrimas de quem ganhou. Um bloco, possivelmente o último, será dedicado à cobertura da briga entre os torcedores e a morte de um deles; serão mostradas imagens do conflito, a foto ¾ do jovem – são sempre jovens – que tombou vítima da violência.
Não faltarão na mesa os que se levantarão para defender um maior rigor das autoridades no combate às torcidas organizadas. Um rigor obtido com o auxílio luxuoso dos cassetetes de borracha e dos bem nutridos corcéis da tropa de choque. Neste ponto da discussão, talvez se eleve a voz de outro membro da mesa, mais escolado e escolarizado, uma mente social idealista. Falará de desigualdade social, dos despossuídos, de um Estado que existe única e exclusivamente para garantir privilégio a uns poucos e quase nenhuma oportunidade à maioria. Talvez cite Marx – ao qual muitos na mesa pensarão tratar-se de algum atacante europeu; o erudito vai achar que se está falando de um meia amador do Botafogo que fez muito sucesso na década de 60.
Quando os ânimos inflamarem-se e o clima, assim como o assunto, tornar-se árido, o bom mediador, consciente de sua condição e com perfeita noção de timing, aproveitará para anunciar a cerveja que desce redondo, geladíssima, e convocará o caro telespectador a aproveitar o break comercial para abrir uma. Talvez aproveite para falar também do crédito pessoal que oferece as menores taxas do mercado, com a autoridade de quem jamais na vida vai precisar fazer um. Mesa redonda é show, mas é também business.
Ao final da discussão, entre mortos e feridos, as organizadas e as autoridades receberão cartão vermelho. Para a imprensa, nada. Ou tudo. É a mídia dando uma vez mais um pontapé por trás na ética em favor do espetáculo, para continuar vendendo cerveja no varejo e cinismo no atacado.
Já é tarde, e junto com o domingo o programa estará terminando. O telespectador, abatido pelo sono e com a cabeça inchada – porque seu time perdeu ou por conta da cerveja ruim que não desceu redondo, vai se levantar e desligar a TV.
Amanhã é outro dia e ele terá que acordar cedo, às 5, para não perder o ônibus que o levará até a fábrica onde das 7 às 7 e por toda a semana terá de trabalhar. Para este soldado, a batalha é outra.


Crítica de Mídia/TV O que as pessoas não vêem Nilson

Em meios a tantas contrariedades existentes à uma maneira a qual podemos nos refazer dos momentos obscuros, no entanto ao citar a televisão como centro das atenções e informações temos imagem que qualifica a "existência" e a desproporção insignificante a merce dos nossos olhos.

È obvio dizer que para tantos a linguagem não passa de mecanismo, são sinais visuais que envolvem sentimentos tornando-se curta talvez conjugal...Sendo na maioria das vezes desnecessário e ambulante vago. E, se ver tv. é bom, temos que observar com atenção o programa o qual estamos assistindo para não cair num mundo de linguagem "única". contudo, independente da imagem que
circunda dentro de nossos lares, requer cuidados. Porque de certa forma nos prende com tantas banalidades, então cabe por cada um ver o que é bom ou ruim.

E, se existe deficiênica na informação porque isso ocorre? Escrever é uma arte não é uma comparação.Os escrevinhador e, os criticos o que dizem? Contudo, a tv.deve ser vista não como um a ferramenta e sim como alimento para o nosso cotidiano. Tratando-se do meio artistico e educativo etc.

Desta forma comecei o filme e vou terminar talvez com defeciência nas palavras escritas mas não na percepção das imagens.





Ensaio O DIA ANTES DE ONTEM Por Roberto Dupre

Faz frio neste pôr-de-sol outonal aqui nas serras sulfurosas de Poços. O que torna ainda mais saboroso o chocolate quente com creme e raspas de canela. Lugar bom de se dormir. Aqui, no alto, os sonhos voam melhor. Estou com essa história de livros martelando a cabeça há mais de uma semana.


Castor
Não faz muito tempo que me dei conta dos inúmeros vazios que há na minha estante. Castor, apelido em razão de pronunciada dentuça, passava feito um azogue, entre as mesas da Redação. Um dos vazios se deve a ele, incluindo um ampliador fotográfico Durst, novinho em folha.
Eu era muito jovem e ainda sonhava com utopias. Posso ser acusado de tudo. Nesse caso, de tirano. O fim de anos estava chegando e meu primeiro filho, também. Estava muito sensível à vida daqueles boys que perambulavam pelos corredores da TV Cultura. Tinha acabado de assumir a chefia do Departamento de Jornalismo. Meu primeiro ato de governo tinha sido obrigar os contínuos a voltarem para a escola. No fim de cada mês, o pagamento só era liberado mediante a apresentação do boletim escolar. Foi um escândalo. Só o Castor não reclamou. No dia de Natal, fiz uma dedicatória rápida, num exemplar que tinha comprado a muitas custas, do Ulisses, de Joyce (cadáverejuncados). Por alguma razão, precisava compartilhar aquela maravilha com alguém. Castor.
E assim, o buraco na estante foi aumentando.
O Jogo das Contas de Vidro, de Herman Hesse, dei pro Gutemberg, cujo nome de batismo jamais tinha sido mais apropiado.
Cofiteor
Hoje, tantos anos depois, tantas desilusões depois, o Ulisses e o Jogo continuam sorrindo para mim daquele vazio da estante.
Castor consertou os dentes. Fez Doutorado em História Moderna na Usp.
Gutemberg reinventou uma prensa própria. Tornou-se Jornalista e mandou-me, de presente, uma xerox do diploma, e uma cópia do discurso que fizera, como orador da turma dele, na PUC, acompanhado de apenas uma palavra, rabiscada numa lauda de jornal: obrigado.
Tenho várias estantes de livros. O último que dei foi uma edição de luxo do Dom Quixote, no original espanhol, para o Pedro Paulo no dia em que se formou, com louvor, no curso de Direito.


Figura & Fundo
Na minha meteórica passagem pela Psicologia, trabalhando com grupos de refugiados chilenos e argentinos, apresentei a eles as idéias revolucionárias de Frederich Pearls. No começo, aceitavam com relutância. Vibravam mais com a Psicologia de Massas do Fascismo, do Reich.
Muito recentemente, abro a Veja e me deparo com o anúncio de um daqueles revolucionários oferecendo cursos para ganho de produtividade empresarial, usando as técnicas de Pearls.
Livros? Sheakespeare. Pirandelo. Elliott. Fitzgerald.
Para que servem?
Sem nenhuma presunção ou modéstia, acho que tenho alguma coisa a ler/ver com tudo isso.



Resenha de diferentes mídias Por Bruna

“Noites de almirante do marujo McCain”
Ensaio de Roberto Pompeu de Toledo
(Revista Veja, 02/04/08, pag.130)

Roberto Pompeu de Toledo escreve ensaios. Gosto de ensaios: eles são a mola que abre portas a discussões, sugestões, críticas, reações e, pasmem, a desafiadoras provocações.
No ensaio acima, Roberto Pompeu de Toledo superou-se. Partindo do marujo Deolindo, personagem de Machado de Assis em seu conto ”Noite de Almirante”, Toledo, usando da habilidade literária que lhe é peculiar, aterriza no convés de um destróier que, nos idos de 1957, desembarcou no Rio de Janeiro grande número de aspirantes da marinha americana, provavelmente em viagem prêmio. Entre eles, um John McCain, hoje candidato republicano nada menos que a presidência dos Estados Unidos.
Em seu livro de memórias, e de forma não tão casual, o atual senador McCain, menciona um caso amoroso que teria tido, naquela ocasião, com uma brasileira que o teria levado a festas e bailes da alta sociedade fardada, durante os nove dias - e noites - de permanência no porto do Rio de Janeiro. Não revelou seu nome (será que ele realmente ainda lembra?...). O leitor se pergunta se aquele relato teria sido só um episódio enriquecedor de uma biografia, ou se – estrategicamente – estaria enquadrando uma inocente aventura juvenil a não ser confundida com os indefectíveis escândalos extra conjugais que são habitualmente desenterrados em campanhas eleitorais, quando os transgressores comparecem armados de esposas compreensivas e abnegadas a prestar-lhes apoio.
Mas isto não é o foco precípuo que Toledo quis imprimir ao seu ensaio: com muita exatidão, transcrevendo frases do próprio McCain, enfatiza a insistência com que ele dá volume à aventura, voltando posteriormente ao Rio para mais uns dias de reencontros até o destaque definitivo. No final do artigo, e novamente reproduzindo alguns detalhes com que McCain definiu a mulher,

“moça bonita, modelo, filha de família rica, feliz
proprietária de uma Mercedes, frequentadora
de festas a que ia até o presidente”

Toledo lança no “Ensaio” um suculento desafio:

“o quadro diz algo a alguém mais velho,
ou mais versado no período, com o olho
nesta página? Cartas para a redação”.

Está aí o ranger das dobradiças que abrem silenciosamente as portas de setuagenárias cariocas, loucas para identificar-se mesmo sem ter sido a tal: algumas, agora aposentadas das badalações, levantam-se com sacrifício de suas artroses, mas orgulhosas de seus olhos recém amendoados pelos Pitanguis da hora, e vão consultar o espelho: vale a pena arriscar agora? Assim?
Uma ruiva, menos retocada, mas bem mais perspicaz, sem desgrudar os olhos da TV, pergunta-se franzindo as sobrancelhas:

“aquele baixinho que vivia com a sweat-shirt fedendo
a suor, chamava-se John mas, e o sobrenome?
Pena que a madame do Catete já morreu: ela seria
capaz de lembrar .....”

Prepare-se, Roberto Pompeu de Toledo: provavelmente haverá cartas à redação, sim.
Que o Sr. McCain não o saiba...